Revolução financeira no agro

Estima-se que o agro brasileiro demanda R$ 600 bilhões de crédito a cada safra. O Plano Safra, crédito subsidiado ofertado pelo governo federal por meio do Banco do Brasil, supre aproximadamente R$ 200 bilhões. Os outros dois terços são financiados com recursos dos próprios fazendeiros e pelo mercado nas mais diversas modalidades. A novidade das últimas safras tem sido o interesse das fintechs, empresas de alta tecnologia de serviços financeiros, em financiar a atividade agropecuária. Até aqui, esse nicho é quase exclusividade das grandes tradings de commodities agrícolas, bancos especializados e algumas gestoras de fundos internacionais.

O interesse surgiu diante da enorme demanda, a aptidão da indústria do agro pelo uso de tecnologias modernas em seus processos produtivos, perspectivas de boa lucratividade, aliados à alta liquidez de dinheiro no mercado de capitais nacional e internacional.

As startups entraram há muito tempo no mundo agro. Oferecem tecnologia de última geração para praticamente todas as etapas da longa cadeia produtiva do agro brasileiro. O crédito agrícola era a última fronteira a ser explorada. Levantamento divulgado pelo jornal Valor Econômico demonstra que existem no Brasil 1.125 empresas de tecnologia fornecendo serviços ao setor agropecuário. Dessas, 196 atuam antes da fazenda, 397 em atividades dentro da fazenda e 532 em atividades pós-produção. O portfólio de serviços é amplo: 53% tecnologias agropecuárias diversas, 22% novas tendências alimentares, 11% gestão agropecuária, 8% marketplace de vendas, 4% drones e apenas 2% serviços financeiros.

As chamadas agrofintechs nascem com um olho no campo e outro nas finanças. Apresentam potencial para aproximar o mercado de capitais do agronegócio, utilizando a expertise já desenvolvida no fornecimento de serviços financeiros mais ágeis e mais baratos para empresas e clientes dos bancos tradicionais. Promoveram uma verdadeira revolução no mercado financeiro brasileiro. Devem também ampliar as fontes privadas de financiamento dos negócios agropecuários, abrindo a possibilidade até mesmo de redução do atual patamar de juros do segmento.

As maiores fintechs e os grandes bancos privados do Brasil juntam-se e já anunciaram a criação de empresas totalmente voltadas à oferta de crédito ao produtor rural. O cenário tornou-se mais favorável com a entrada em vigor da nova “Lei do Agro” que permitiu, entre outras coisas, a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA em dólar. Com a redução dos juros, esses certificados tornaram-se mais populares entre os fazendeiros. Os agentes financeiros notaram também maior adesão dos produtores às ferramentas digitais durante a pandemia, criando o ambiente de negócios propício para empresas que têm como grande trunfo a redução de garantias e burocracias para fornecer crédito. Outra grande inovação prometida pelas agrofintechs será a parceria intensiva com as revendas de insumos (defensivos, fertilizantes, sementes) e cooperativas que atuarão como uma espécie de “correspondentes bancários locais” na captação, seleção de clientes e auxílio na análise de risco a partir do histórico de crédito de sua clientela. Essa parceria pode acelerar a aprovação do financiamento e emissão eletrônica da Cédula de Produtor Rural – CPR que será liquidada pelo tomador na venda do seu produto. Esperam reduzir ao máximo as operações casadas de entrega antecipada de grãos para compra de insumos. A vasta rede de revendas de insumos e cooperativas agrícolas, por sua vez, colocará à disposição as ferramentas tecnológicas que já usam para monitorar plantio, desenvolvimento e colheita da produção por imagens de satélites.

Analistas especializados em agronegócio olham com expectativa otimista a chegada das fintechs ao segmento agropecuário. Contam que elas vão proporcionar exposição positiva do setor, aproximá-lo do  mercado de capitais,  exigir melhorias na gestão dos negócios e, principalmente, aumentar a concorrência na oferta de crédito ao setor que mais tem avançado em produtividade e inovações tecnológicas nas últimas décadas.

Vivaldo Lopes, economista formado pela UFMT, onde lecionou na Faculdade de Economia. É pós-graduado em  MBA Gestão Financeira Empresarial-FIA/USP  (vivaldo@uol.com.br)

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