PAPA LEÃO E OS RUMOS DA IGREJA

*Juacy da Silva

A “eleição”, enfim, a escolha do Cardeal Robert PrEvost, norte americano de nascimento e peruano por naturalização, para suceder o Papa Francisco, que não era bem aceito, “engolido” pelos conservadores católicos, foi, sem dúvida uma surpresa, diante das apostas que todos os “vaticanistas” e a midia católica ou secular do mundo inteiro faziam.

Tão logo eleito, a primeira surpresa foi a escolha do nome do novo Papa, Leão XIV, demonstrando de forma clara o seu desejo de dar continuidade ao magistério de Leão XIII, o Papa que “revolucionou” a Igreja ao colocar no centro do magistério a questão das injustiças que eram cometidas contra os trabalhadores no final do século XIX, com a publicação da Encíclica Rerum Novarum, em 15 de Maio de 1891, colocando a Igreja entre as duas grandes correntes de pensamento, de ideoloigias e de organização dos sistemas produtivos e de relações de trabalho, de um lado o capitalismo e de outro o marxismo.

Ao publicar a Rerum Novarum Leão XIII estabelecia as bases para o magistério social da Igreja, o que desde então passou a ser a DSI – Doutrina Social da Igreja, que vem sendo aperfeiçoada até os dias de hoje, como, por exemplo, quando o Papa Francisco inseriu a Laudato Si, no contexto da DESI.

Assim, há mais de 130 anos a Igreja vem “navegando” entre o capitalismo desumano que se iniciava e, em boa parte ainda permanece até hoje, e o marxismo/comunismo, ideologia que se fortalecia na Europa até a sua chegada ao Poder pela Revolução bolchevique, na Rússia, em  25 de outubro de 1917.

Desde então até a atualidade a Igreja Católica, sob a liderança de diferentes Papas, alguns mais conservadores e outros mais “liberais” ou quase revolucionários, tem “transitado” neste caminho do meio, o que em termos políticos tem sido considerada a “terceira via”, bem complicada em equilibrar-se sem sofrer ataques de ambos os lados.

Cada Papa, por diferentes razões procura deixar sua marca, seu legado ou suas “pegadas” na história milenar da Igreja Católica, sempre atentos aos desafios, tanto teológicos, filosóficos, éticos e morais quanto premidos pela dureza da realidade econômica, social, política e ideológica do mundo, onde a Igreja está inserida e precisa sempre ser “o sal da terra e a luz do mundo”, conforme os Evangelhos e a mensagem do Cristo Ressurreto.

O Papa Francisco, marcou seu magistério por ter abraçado a causa da ecologia integral, a misericórida, a amizade social, a defesa intransigente dos pobres e a necessidade de a Igreja ter uma nova cara, através da sinodalidade, do profetismo e da caridade, voltada para praticar de fato a opção que a mesma fez, principalmente pelas reformas aprovadas pelo Concílio Vaticano II, que, diga-se de passagem jamais foram engolidas pelos setores conservadores da Igreja, incluindo um dos subprodutos do mesmo, que foi a Teologia da Libertação e a ênfase na “opção preferencial pelos pobres”.

Assim, a escolha/eleição de Leão XIV, em um certo momento animou os setores conservadores que expressaram a esperança de que o mesmo iria “abolir” ou deixar de lado as linhas mestras do magistério de Francisco, considerado muito liberal ou esquerdista ou até quase comunista, segundo alguns setores extrememente conservadores da Igreja que, volta e meia, flertam com o pensamento e as ações da extrema direita política e ideológica.

Mas isto não aconteceu, Leão XIV tem demonstrado seu grande apreço pela figura, pelo legado e pelo magistério do Papa Francisco, tanto em relação `as questões da ecologia integral, quanto no que concerne `a figura dos pobres e excluidos, e também o compromisso de conduzir a Igreja pelos caminhos da sinodalidade, de uma igreja pobre, sem opulência, ao lado dos pobres; e também uma igreja profética, que não comunga com a violência, com as guerras, com formas de discriminação e racismo.

Logo ao ser escolhido Papa, Leão XIV começou a “dar” pistas de como será o seu magistério, como, por exemplo em diversas homilias, em pronunciamentos públicos ao receber diferentes pessoas, inclusive chefes de Estado e pessoas simples, ou gente da própria igreja, pertencentes `a hierarquia eclesiásstica e também leigos e leigas, engajados  ativamente em pastorais, organimos e movimentos da Igreja.

Em matéria publicada pela Agência Ecclesia em 18  de Maio de 2025, poucos dias após a eleição do novo Papa, a mesma assim afirmava “O Papa Leão XIV disse hoje desejar uma Igreja “unida” para responder aos desafios colocados pelas desigualdades e os conflitos que marcam a humanidade.

E ai transcreve as palavras de Leão XIV “No nosso tempo, ainda vemos demasiada discórdia, demasiadas feridas causadas pelo ódio, pela violência, pelos preconceitos, pelo medo do diferente, por um paradigma econômico que explora os recursos da terra e marginaliza os mais pobres” disse, na homilia da Missa que marca o início oficial do seu ministério petrino” e continua “Nós queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, comunhão e fraternidade”.

Em diferentes momentos Leão XIV tem deixado bem claro seu pensamento e suas exortações tanto aos católicos, quanto demais cristãos e a todos os fiéis de outras religiões e também, aos donos do poder (governantes), bem como aos empresários, que devemos lutar por “uma paz desarmada”, por uma cultura da paz, pelo fim das guerras, dos conflitos armados, pelo respeito `a ecologia integral e pela dingidade dos pobres, marginalizados e excluidos.

Apenas para clarear esta “linha” de argumentação podemos nos referir, por exemplo, em sua carta aos Reitores de Universidades Católicas da América Latina sobre a importância do compromisso da Igreja e das instituições de ensino católicas com a defesa da ecologia integral.

Outro exemplo, no recente encontro ocorrido há poucos dias em Castel Gandolfo em 1º deste mês de Outubro de 2025, na celebração dos dez anos da publicação da Encíclica Laudato Si, diante de representantes da Igreja e de autoridades públicas, incluindo o Ex Governador da Califórnia e da Ministra Marina Silva do Meio Ambiente e das mudanças climática do Brasil, denominado Elevando/espalhando esperança (em inglês Rising Hope), Leão XIV foi claro ao afirmar que “É preciso passar dos discursos ambientalistas a uma conversão ecológica”, enfatizando que esta conversão ecológica precisa ser não apenas individual, mas fundamentalmente, seguindo o pensamento e palavras do Papa Francisco, “ser uma conversão comunitária/coletiva”, a começar dentro da própria Igreja, o que, infelizmente, ainda não tem acontecido, apesar dos dez anos da publicação da Laudato Si.

Em seu discurso perante os participantes do evento,  Leão XIV foi claro ao recordar a herança espiritual e pastoral deixada por Francisco e convidou todos a redescobrir a ecologia integral como caminho de unidade, paz e esperança.

E no último dia 04 deste outubro de 2025, ou seja, há poucos dias Leão XIV publicou sua primeira EXORTAÇÃO APOSTÓLICA “DILEXI TE” SOBRE O AMOR PARA COM OS POBRES, aprofundando seu pensamento sobre este tema importante e transcendental para a vida e o magistério da Igreja.

Esta é uma Exortação razoavelmente longa, enfatizando os fundamentos bíblicos, dos santos e doutores da Igreja e também enfatizando as causas estruturais da pobreza e como a Igreja precisa estar ao lado dos pobres.

Em outra ocasião pretendo refletir melhor e com maior profundidade sobre o sentido e o seginificado desta Exortação Apostólica de Leão XIV, principalmente para o agir pastoral da Igreja, com ânfase na dimensão sociotransfroamdora que a mesma nos estimula a refletir e a agir.

Transcrevo, aqui um trecho da referida Exortação Apostólica, para aquilatarmos o que Leão XIV nos exorta, nos orienta e nos estimula a agirmos, como cristãos em geral e como católicos em particular “ A condição dos pobres representa um grito que, na história da humanidade, interpela constantemente a nossa vida, as nossas sociedades, os sistemas políticos e econômicos e, sobretudo, a Igreja. No rosto ferido dos pobres encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo. Ao mesmo tempo, deveríamos falar, e talvez de modo mais acertado, dos inúmeros rostos dos pobres e da pobreza, uma vez que se trata de um fenômeno multifacetado; na verdade, existem muitas formas de pobreza: a daqueles que não têm meios de subsistência material, a pobreza de quem é marginalizado socialmente e não possui instrumentos para dar voz à sua dignidade e capacidades, a pobreza moral e espiritual, a pobreza cultural, aquela de quem se encontra em condições de fraqueza ou fragilidade seja pessoal seja social, a pobreza de quem não tem direitos, nem lugar, nem liberdade”.

Ao aprofundar a reflexão sobre os pobres e a pobreza, Leão XIV foge das propostas e sugestões assistencialistas, paternalistas e manipuladoras, porquanto deixa claro a natureza estrutural da pobreza, demonstrando que tanto a pobreza, quanto os pobres e suas formas de vida, longe da dignidade humana, tem causas, raizes nas estruturas sociais, políticas e econômicas e, assim, para combatermos a pobreza e a exclusão a Igreja precisa estar, REALMENTE, de fato e não apenas por palavras ao lado e com os pobres, promovendo e advogando ações sociotransformadores profundas, pois este é ou deve ser o caminho que a Igreja deve trilhar.

Vejamos nas palavras de Leão XIV, esta exortação a todos nós, aqui e agora “Devemos empenhar-nos cada vez mais em resolver as causas estruturais da pobreza. É uma urgência que «não pode esperar; e não apenas por uma exigência pragmática de obter resultados e ordenar a sociedade, mas também para a curar de uma mazela que a torna frágil e indigna e que só poderá levá-la a novas crises. Os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias». A falta de equidade é a raiz dos males sociais. Com efeito, muitas vezes constata-se que, realmente, os direitos humanos não são iguais para todos».

Para finalizar esta reflexão, não poderia deixar de transcrever o rumo que Leão XIV nos indica em termos de nossa religiosidade engajada, pavimentando o caminho, principalmente para as ações das pastorais sociais, dos movimentos e organismos da Igreja que propugnam por um ag, ir profético e não apenas uma religiosidade intimista ou subjetiva.

Assim, enfatiza Leão XIV “Portanto, mesmo correndo o risco de parecer “estúpidos”, é tarefa de todos os membros do Povo de Deus fazer ouvir, ainda que de maneiras diferentes, uma voz que desperte, denuncie e se exponha. As estruturas de injustiça devem ser reconhecidas e destruídas com a força do bem, através da mudança de mentalidades e também, com a ajuda da ciência e da técnica, através do desenvolvimento de políticas eficazes na transformação da sociedade. É preciso recordar sempre que a proposta do Evangelho não é apenas a de uma relação individual e íntima com o Senhor. Ela é mais ampla: «é o Reino de Deus (cf. Lc 4, 43); trata-se de amar a Deus, que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais. Procuremos o seu Reino».

Fica bem claro, pois, nas palavras deste “novo” Papa, que a Igreja, alem de sinodal, deve ser tambem uma Igreja em saída, rumo `as periferias materiais e existenciais, onde estão os pobres e excluidos, que dialoga com o mundo, com as demais instituições nacionais e internacionais, com a academia, com as universidades, locus do desenvolvinento da ciência e da tecnoligia, com as demais religiões e movimentos que lutam por um mundo melhor, com justiça, em “paz desarmada”, ao lado dos pobres, oprimidos e injustiçados.

Esta é a Igreja que Leão XIV deseja, sinodal, em saída, samaritana e, também, PROFÉTICA.

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy  Whats app 65 9 9272 0052