O CAMINHO PARA UMA IGREJA PROFÉTICA

*Juacy da Silva

“A Santa Sé não ficará em silêncio diante das graves desigualdades, injustiças e violações dos direitos humanos fundamentais em nossa comunidade global, cada vez mais fragmentada e propensa a conflitos”. Parte do pronunciamento do Papa Leão XIV,  durante evento diante de treze novos Embaixadores acreditados junto à Santa Sé que na manhã deste sábado, 6 de dezembro de 2025, apresentaram suas cartas credenciais no Vaticano.

Cabe ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em Paris, por meio da Resolução 217 A, estabelecendo um padrão comum de direitos fundamentais para todos os povos e nações após os horrores da Segunda Guerra Mundial, sendo hoje o documento mais traduzido do mundo.  

Apesar de seus 77 anos de existência, ao longo deste período o mundo assistiu inúmeras guerras, conflitos armados internos, o uso de armas de destruição em massa, crimes de guerras, verdadeiros genocídios, inúmeras atrocidades e, ainda hoje, vivemos, em todos os países, inclusive no Brasil em meio a uma enorme violência, tanto no âmbito doméstico, violência de gênero, feminicídios, estupros, abandono e violência fisica, psicológica e patrimonial contra idosos, crianças, domínio territorial, político e econômico/financeiro do crime organizados, das facções, das milícias, afetando todos os segmentos sociais, mas principalmente os pobres e excluidos que passaram a viver sob o domínimo do terror desses grupos.

Em 10 de Dezembro de 1950, para celebrar o segundo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ONU, em sua Assembléia Geral, aprovou que a partir de então, esta data deveria ser considerada o DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS, com o objetivo de relembrar não apenas os horrores das guerras e conflitos armados, mas também servir para que todos os países e nesses todas as entidades públicas e não governamentais envidem esforços para que políticas públicas em todos os campos possam servir de base para ações que coibam o desrespeito a tais direitos e promovam uma cultura da paz (desarmada, como enfatizou Leão XIV).

Durante seu Pontificado, o Papa Francisco deu uma grande ênfase `as questões da ecologia integral, da mesma forma que inúmeras exortações para que a Igreja pautasse a sua caminhada pela SINODALIDADE e, ainda mais, criou o Dia Mundial dos Pobres, publicou as Encíclicas Laudato Si e Fratelli Tutti, que deveriam servir de base para as reflexões e as ações da Igreja em relação ao meio ambiente (ecologia Integral), `a Justiça Social  e `a Amizade social, como demonstração concreta do sentido e significado de a Igreja ter feito, principalmente a partir do Concílio Vaticano II, a opção preferencial pelos pobres e lançados as bases para o surgimento da Teologia da Libertação.

Neste sentido, o comprimisso da Igreja tanto em relação aos cuidados com o meio ambiente, nossa Casa Comum, quanto em relação aos direitos hunabos, `a justiça social (escudada na Doutrina Social da Igreja, agora, mais do que nunca resgatada pelo Papa Leão XIV, até mesmo na escolha de seu nome papal) deve transcender as nossas reflexões, nossas orações e se transformarem em ações concretas, tendo em vista que apenas as ações transformam a realidade social, econômica, política e existencial. Por isso a insistência de que precisamos passar das palavras para ações concretas, demonstrando nosso compromisso, como Igreja (Instituição) e como corpo de fiéis (também Igreja) em relação aos pobres, excluidos e oprimidos.

Ao longo desses sete meses de sua eleição como Papa ( o Cardeal Robert Prevost foi eleito Papa em 08 de Maio deste ano de 2025), e a escolha do nome Leão XIV já indicou `a própria Igreja e também ao mundo a que veio, ou seja, tanto em suas homilias, quanto em outros pronunciamentos e mensagens escritas tem apontado o rumo que está imprimindo e deverá imprimir em seu Magistério Papal.

Muitos católicos conservadores,  alguns setores simpáticos `as idéias totalitárias de direita e extrema direita, que consideravam o Papa Francisco como muito liberal, que “flertava” com o socialismo, imaginavam que Leão XIV poderia alterar o rumo da Igreja, acolhendo um discurso e prática de uma religiosidade mais intimista, subjetiva, favorecendo a dicotomia entre as ações sociotransformadoras e uma religiosidade formal, alienada e alienante, distante de um compromisso mais direto com as questões políticas, econômicas, sociais e ecológicas.

Logo que assumiu a “Cátedra” de São Pedro,  o Papa Leão XIV enfatizou que deseja uma paz desarmada, posteriormente em mensagem enviada aos Reitores das Universidades Católicas que discutiam as questões da ecologia integral, demonstrou seu compromisso com a Laudado Si, a Laudato Deum e os resultados do Sínodo dos Bispos para a Pan Amazônia, posteriormente, há poucas semanas publicou sua primeira Exortação Apostólica “Dilexi te” (Eu te amei), dando continuidade ao que o Papa Francisco havia iniciado antes de falecer, mas que Leão XIV, fez questão de concluir e publicar.

A Exortação Apostólica Dilexi Te foi assinada pelo Papa Leão XIV em 04 de outubro e publicada pelo Vaticano no dia 09 do mesmo mes, ou seja, há apenas um mês, e deverá ser o marco de referência para que a Igreja seja não apenas Samaritana, Sinodal, mas, fundamentalmente PROFÉTICA, diante de tanta desigualdade, fome, miséria, violência, abandono, ganância, injustiças, degradação ambiental e exclusão de bilhões de pessoas mundo afora e ainda milhoões de pobres e miseráveis no Brasil.

Cabe uma referência de que há poucos dias o IBGE publicou o documento Síntese dos Indicadores Sociais no Brasil 2025, uma radiografia da situação econômica e social, com dados estatísticos sobre emprego, salário, renda, educação e gênero, atualizados, demonstrando que, apesar dos avanços que ocorreram nos praticamente tres últimos anos, onde milhões de pessoas e famílias deixaram a pobreza e a pobreza absoluta a situação dos pobres e excluidos ainda é extremamente grave em nosso país.

Esses mesmos dados estatísticos demonstram que o Brasil entre 40 países relacionados no Estudo,  as 40 maiores economicas do mundo, nosso país ocupa a 38ª posição em desigualdade social, de renda, patrimonial e de nível de vida.

Por exemplo,  Brasil ocupa a 72ª posição global em equidade de gênero no Global Gender Gap Report 2025 do Fórum Econômico Mundial e está entre os países com maior concentração de renda, portanto, entre os país com os maiores índices de desigualdade econômica e social do mundo em 2025, ao lado ou em situação pior do que nações extremamente pobres da África, da Ásia e da América Latina. 

Este é também um desafio que está posto diante da Igreja Católica e também das Igrejas Evangélicas, razão pela qual as ações pastorais sociotransformadoras e socioambientais não seja algo opcional na caminhada  das Igrejas, mas sim, um requisito fundamental de uma fé engajada e transformadora espiritual e temporal.

Por isso é que na exortação Apostólica Dilexi Te (Eu te Amei), cabe indicar alguns pontos fundamentais que, direta ou indiretamente, resgatam algumas das conclusões do Concílio Vaticano II, incluindo:  “Amor aos Pobres: O documento enfatiza que o amor aos pobres não é caridade superficial, mas um encontro com Cristo, um chamado à justiça e à dignidade humana; Continuidade com Francisco: Assume um rascunho do Papa Francisco, seguindo a linha de seu pontificado e complementando a Encíclica Dilexit nos (Amou-nos)Denúncia Social: Critica as estruturas econômicas excludentes e a "ditadura de uma economia que mata", chamando a Igreja a ser profética contra a miséria e a exclusão; Temas Abordados: Inclui defesa de mulheres, migrantes, direito à educação e a importância da esmola como justiça restaurada e, Fé e Revelação: Liga o amor aos pobres à própria Revelação, onde o rosto ferido dos pobres reflete o sofrimento de Cristo. 

Fica claro, de forma bem coerente todos os pronunciamentos, documentos, e exortações que ao longo de seu prontificado o Papa Leão XIV vem apontando quais os caminhos que pretende conduzir a Igreja Católica, tanto internamente quanto em suas relações com as demais religiões, Igrejas , organizações e movimentos não governamentais, como por exemplo, em sua mensagem sobre os tres “Ts” do Papa Francisco (TERRA, TETO e TRABALHO).

Neste sentido e contexto tem um grande significado a Campanha da Fraternidade coordenada pela CNBB referente a 2026,  cujo tema será FRATERNIDADE E MORADIA, quando a Igreja inteira no Brasil, em suas mais de 12 mil paroquias e mais de 400 mil comunidades irá debruçar-se a partir do início da Quaresma (18 de Fevereiro próximo)sobre este tema e lema, que é um dos maiores e mais graves desafios contemporâneos.

Quando falamos em Moradia, não estamos nos referindo apenas um teto rústico e simples para abrigar as pessoas e famílias, mas de MORADIA DIGNA, inserida em espaços/territórios que contemplem as dimensões da regularização fundiária, do saneamento básico, pavimentação,  equipamentos urbanos que garantam mobilidade urbana e serviços públicos de qualidade como educação, saúde, esporte, lazer, arborização, coleta de lixo, limpeza pública e segurança, ou seja, moradia digna está inserida no contexto dos Direitos Humanos Fundamentais mencionados pelo Para Leão XIV.

Vale também ressaltar que o Direito a MORADIA DIGNA está inserida no contexto dos direitos fundamentais e constitucionais, no caso do Brasil e, também, na dimensão do Direito `a Cidade, como consta do Estatuto da Cidade e dos respectivos Planos Diretores.

Quando menciona os pobres, o Papa Leão XIV deixa bem claro que precisamos, como cristãos e católicos, ir `as causas da pobreza e que não combatemos a pobreza apenas com assistencialismo, medidas paternalistas e manipuladoras, mas sim, com mudanças profundas nas estruturas políticas, econômicas e sociais que geram a pobreza, a exclusão, a fome, a miséria e todas as formas de violência.

Neste sentido Leão XIV dá continuidade as propostas do Papa Francisco quando denunciou a chamada ECONOMIA DA MORTE e que para promovermos mudanças sociotransformadoras precisamos substituir os paradígmas que alimentam esta economia da Morte, os atuais sistemas macroeconômicos, pela ECONOMIA DA VIDA,  uma economia solidária, que respeite a natureza, a ecologia integral, os trabalhadores, os consumidores, tanto as atuais quanto as futuras gerações, apontando a necessidade de um Pacto Gobal pela Educação, onde se inclui também uma educação ambiental crítica e libertadora.

Uma Igreja profética é uma Igreja que não se cala diante da opressão, da violência, das injustiças, das desigualdades, da intolerância, da disseminação do ódio e da mentira. Igreja profética é a que realmente faz a opção preferencial pelos pobres e caminhada ao lado desses em suas lutas e desafios. Igreja profética é também a Igreja dos Mártires do passado e do presente.

Esta é a Igreja que o Papa Leão XIV está nos indicando a construir e reformar, se e onde for necessário: SAMARITANA, SINODAL E, também, PROFÉTICA, Só assim, a Igreja como Instituição e nós cristãos, católicos e evangélicos, como Corpo de Cristo, podemos ser “Sal da terra e luz do Mundo”.

Em vez de estar de braços dados com os poderosos, uma Igreja profética precisa estar ao lado dos pobres e lutar junto com eles por uma vida digna para todas as pessoas.

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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