Professor Ranulpho Paes de Barros: a lição da educação pelo esporte

O texto é um misto de emoções, entre a história do futebol de Mato Grosso; o carinho e admiração pelo amigo Antero Paes de Barros e a força da ideia de um professor à frente do seu tempo: Ranulpho Paes de Barros.

 

O professor Ranulpho Paes de Barros é fundador do Mixto Esporte Clube, um patrimônio cultural de Cuiabá e paixão de milhares de cuiabanos e cuiabanas há quase um século. Para marcar a passagem dos 88 anos de fundação do Clube, a família Paes de Barros, fez a inauguração nesta última sexta-feira (20.05) do Centro de Formação Professor Ranulpho Paes de Barros. 

 

PNB Online traz todas as informações sobre o Centro de Formação em relação à obra física, a estrutura que estará à disposição de jogadores e jogadoras, jovens em busca de um sonho ou de profissionais do futebol, como o elenco do próprio Mixto. Mas o Centro transcende a própria obra, faz emergir valores que tocam corações e mentes.

 

O valor do amor: “Estamos ensinando aos nossos descendentes que amar o Mixto é muito importante”, afirmou Antero Paes de Barros, senador, deputado federal constituinte, vereador, radialista, advogado, jornalista e, aqui, o que mais conta: filho do professor Ranulpho. A lição é mais do que de amor ao clube do coração. A lição maior é a de abrir o coração para o valor do amor, amor à família, amor à cultura cuiabana, amor ao esporte. Essa emoção é também uma lição: o amor educa, ajuda a formar pessoas melhores, ensina a respeitar os outros.

 

O valor do professor: é nossa mazela nacional, os brasileiros dão pouco valor à educação e, menos ainda, à figura do professor. Colocado na visão idealista, o professor é um missionário, e na visão oportunista dos maus governantes, o professor, na rede pública,é uma profissão que não necessita remunerar bem, o salário é um mero “detalhe”. Ao colocar no centro a homenagem a um professor, a família Paes de Barros recupera a memória da importância do trabalho do pai e a própria memória do homenageado: o professor Ranulpho viveu uma vida pela educação e pelo amor ao Mixto. 

 

O valor da figura pública: a homenagem ao professor Ranulpho transcende em muito a iniciativa da sua família. Vai além dos filhos, Antero, José Luís, Luís Carlos e Helena e da esposa, dona Almira, netos e netas. A figura pública de Ranulpho Paes de Barros marcou a história do futebol de Mato Grosso pelo reconhecimento da apaixonada torcida mixtense, mas também, esse é o diferencial que espelha a estatura do professor e dirigente esportivo, pelo reconhecimento dos torcedores e dirigentes dos clubes adversários. Qual figura pública do futebol cuiabano, representante do Mixto, recebeu em vida o reconhecimento também de torcedores do Dom Bosco, Operário de Várzea Grande, e outros?

Esse é um fato histórico, registrado também na pesquisa acadêmica. Registro feito na tese de doutorado de Fabiana Cristina de Lima,“Do Verdão à Arena Pantanal: ocorrências gerais nas tramas do futebol mato-grossense”, defendida em 2019 no programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A professora Fabiana recupera em sua tese de doutorado o registro do ex-reitor Benedito PedroDorileo de um fato histórico: a polêmica sobre o nome do estádio Verdão. Recupero aqui um fragmento do meu parecer na qualificação da doutoranda sobre esta questão:

 

Nomear: um ato de colocação 

 

Seu trabalho não é, em óbvio, uma análise retórica, mas a questão do gesto de nomear, dos embates terminológicos de cada tempo, faz parte do que a modernidade altera e impõe, também, pelo novo termo. Pode ser uma chave a ser trabalhada. Essa ideia, aliás, já atravessa alguns momentos, bons, do seu texto. 

 

Na espreita das ocorrências tendenciais que compilam novas ordens sociais, e que as dinamizam e as naturalizam, Giddens (1991, p. 8) indica o aparecimento de “uma estonteante variedade de termos” sugeridos “para esta transição, alguns dos quais se referem positivamente à emergência de um novo tipo de sistema social [...] mas cuja maioria sugere que, mais que um estado de coisas precedente, está chegando a um encerramento [...]”. Neste mote, termos como pós-modernidade, pós-modernismo, supermodernidade são disparados na intenção de caracterizar e/ou enquadrar as dinâmicas sociais dentro de uma nova ordem. (pag.24) 

 

Até mesmo a substituição do nome de estádio por arena, como aconteceu com oito dos doze aparelhos esportivos construídos ou reformados para a Copa de 2014 – Arena Amazônia, Arena da Baixada, Arena Castelão, Arena Corinthians, Arena das Dunas, Arena Fonte Nova, Arena Pantanal e Arena Pernambuco, pode significar a alteração da identidade futebolística provocada por esse processo de modernização dos aparelhos esportivos. (pag.28)

 

Ainda no que se refere ao gesto de nomear, o nome do estádio “moderno” construído à época tem uma relação que considero relevante para as suas considerações gerais. A escolha do nome oficial Verdão (este um aumentativo enquanto designação popular comum aos estádios brasileiros naquele período), Governador José Fragelli, foi, também, uma bela passagem que pode ser mais explorada no seu trabalho.

 

O próprio governador José Fragelli chegou a anunciar o desejo de atribuir novamente o nome de Presidente Dutra ao novo estádio de Cuiabá. 

 

O que se sabe, também, é que outro nome foi cogitado para o Verdão. O historiador Rubens de Mendonça e o poeta Lidio Modesto “iniciaram uma campanha pretendendo dar o nome de Ranulpho Paes de Barros ao Verdão”. No entanto, o próprio homenageado, em carta, manifestou-se contra a indicação de seu nome ao estádio e expressou que, “por uma questão de justiça e coerência, o nome tem que ser mesmo Governador José Fragelli”. (COMOVIDAMENTE Cuiabá disse: “Adeus Ranulpho”, 1975, p. 8). (p.85) 

 

A figura do professor Ranulpho Paes de Barros está ligada à história do futebol de Mato Grosso. Ele foi fundador do Mixto Esporte Clube e presidiu a Federação de Futebol. A defesa da indicação do nome por personalidades intelectuais do estado, entre elas o historiador Rubens de Mendonça e o poeta Lídio Modesto, é uma das faces do reconhecimento público do professor, mas que tinha também apelo e aceitação de dirigentes e torcedores dos tradicionais clubes rivais, como o Operário de Várzea Grande e o Clube Esportivo Dom Bosco. A passagem registrada pelo ex-reitor da Universidade Federal de Mato Grosso, Benedito Pedro Dorileo, em seu livro lançado recentemente “Folhas Evocativas” (Cuiabá, MT: Entrelinhas, 2018) aponta o respeito e carinho por essa figura pública: 

 

Trago no espírito uma memória indelével deste cidadão [...] foi esteio do futebol mato-grossense no simpático amadorismo. Primeiro presidente da Federação Mato-Grossense de Desportos, recebeu na década de 1970 a mais comovente consagração popular no Estádio Presidente Dutra, quando torcedores de todas as camisas aplaudiram em pé o retorno do velho cacique bororo. (p. 272) 

Meu amigo Antero, parabéns pela iniciativa da família. Nunca é fácil o desafio de tornar um sonho em realidade. Um gesto real que agora atenderá muitas pessoas, inclusive os mais jovens de famílias humildes,  um valor a ser preservado e defendido em nossa sociedade onde sobra o jogo bruto da desigualdade social e a falta de oportunidades iguais. 

 

Ao fim e ao cabo, tenho certeza que todos os professores e professoras se sentem representados na homenagem que faz justiça à memória do professor Ranulpho. O título, que orgulha a todos, posto na fachada do Complexo Esportivo inaugurado: Centro de Formação Professor Ranulpho Paes de Barros.