O Influenciador digital e o advento do PL 5990

*Claiton Cavalcante

Há poucos dias, recebi um convite para participar de um podcast dedicado a temas tributário, de governo e gestão pública. O que transformou aquele convite em algo significativo foi a justificativa oferecida pelo produtor: "Você está aqui não pelo motivo de ser meu amigo, mas pelo conhecimento e autoridade no assunto a ser debatido neste episódio."

Essa frase envolve uma questão central que ganhou urgência com a tramitação do Projeto de Lei nº 5990/2025 na Câmara dos Deputados. Vivemos em um momento em que a distinção entre especialista e influenciador digital tornou-se perigosamente tênue, com graves implicações para a qualidade da informação que circula em nossas redes sociais.

Durante a última década, o cenário da comunicação digital se transformou radicalmente. Os podcasts evoluíram de simples produções em áudio para conteúdos multimídia sofisticados. As redes sociais deixaram de ser meros espaços de entretenimento para se tornarem plataformas onde decisões críticas sobre saúde, finanças, direito e políticas públicas são influenciadas, frequentemente por pessoas sem qualificação técnica.

O PL 5990/2025 reconhece adequadamente esse problema estrutural: a ausência de filtros entre especialistas legítimos e influenciadores bem-intencionados, porém sem embasamento. O Projeto identifica categorias particularmente sensíveis, tais como: medicamentos, terapias, serviços financeiros, bebidas alcoólicas, tabaco, produtos agrícolas, serviços de apostas e jogos de azar, onde a orientação incorreta pode gerar prejuízos imensuráveis. Contudo, questiono: por que limitar-se a essas categorias quando gestão pública, temas constitucionais e políticas governamentais produzem consequências igualmente significativas?

Quando o produtor do podcast enfatizou que minha presença se justificava pela autoridade no assunto, explicitava uma verdade frequentemente implícita: toda comunicação sobre temas complexos carrega consigo responsabilidade. Não é arrogância intelectual ou exclusivismo corporativo. É questão de integridade. A certificação, o registro profissional e a qualificação técnica não existem para proteger corporações, mas porque a sociedade reconhece que em certos domínios o amadorismo pode custar vidas, economias ou direitos fundamentais.

O PL 5990/2025 aborda o problema pragmaticamente, pois proíbe influenciadores digitais de divulgar conteúdos sobre temas especializados, exceto aqueles que comprovem qualificação técnica. Além disso, exige transparência sobre a natureza comercial do conteúdo, identificação de quem paga pela mensagem e riscos associados. Essas medidas complementam o marco regulatório estabelecido pelo Marco Civil da Internet.

Estamos vivendo a chamada "crise da informação especializada", onde pessoas com seguidores expressivos divulgam recomendações financeiras, médicas, comportamentais ou legislativas sem fundamentação e os algoritmos otimizados para engajamento, espalham as informações não qualificadas para os quatro cantos do planeta. Um podcast sério, aquele que respeita padrões éticos, busca especialistas porque sabe que a qualidade da conversa depende disso.

Para aqueles de nós com qualificação técnica, o PL 5990/2025 não é ameaça, mas proteção que estabelece diferencial claro entre quem tem autoridade para falar e quem não tem. Essa proteção, porém, vem acompanhada de responsabilidade ainda maior. Nossa comunicação deve ser precisa e fundamentada, transparente sobre limitações, acessível sem ser simplista, e sempre desinteressada ou absolutamente transparente sobre conflitos de interesse.

Ademais, o Projeto representa passo importante rumo a um ecossistema digital mais responsável, mas sua aprovação não resolverá magicamente o problema. Regulação não substitui responsabilidade individual e integridade profissional. O verdadeiro teste será como a sociedade aplicará esses critérios e como especialistas exemplificarão o que significa usar autoridade especializada de forma ética.

Para mim, aquele convite foi mais que reconhecimento profissional. Foi lembrete de que toda comunicação pública por alguém com qualificação técnica representa uma promessa implícita: que o dito é sério, bem fundamentado e feito em benefício público. Essa responsabilidade não deve ser levada levianamente. A verdadeira mudança virá quando especialistas, plataformas e públicos reconhecerem que essa responsabilidade é, antes de tudo, questão de caráter e fortalecimento da ética na comunicação digital.

*Claiton Cavalcante - Membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis e do Instituto dos Contadores do Brasil.