A semana legislativa em Mato Grosso começa com os ecos de um absurdo que colocou o estado como vergonha nacional. Projeto que criminaliza aborto em casos previstos em lei é aprovado em 1º turno, matéria flagrantemente inconstitucional. A aprovação do texto por unanimidade ocorreu uma semana depois que foi instalada a Frente Parlamentar de Combate ao Aborto "Pró-Vida", constituída só por homens.
O deputado estadual Gilberto Cattani posa como o todo-poderoso na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Seus pares parecem segui-lo bovinamente, até para aprovar uma lei dele que é flagrantemente inconstitucional. Cattani pode tudo? Pode até comparar mulheres com vacas e a agressão ser empurrada para debaixo do tapete do plenário?
Uma coisa é Cattani falar para seus seguidores radicais que acreditam mesmo que suas mães, esposas, irmãs e filhas são iguais a vacas. A outra coisa é seus pares deixarem o ambiente legislativo ser tomado pela falta de decoro, assumirem a postura de boiada obediente na aprovação de matérias ilegais e não reagirem à altura diante do desrespeito às mulheres de Mato Grosso.
Os deputados estaduais de Mato Grosso aprovaram em primeira instância projeto de lei que cria o Programa de Proteção ao Nascituro, estabelecendo a criminalização do aborto até nos casos previstos em lei: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. A aprovação do texto por unanimidade ocorreu uma semana depois que foi instalada a Frente Parlamentar de Combate ao Aborto "Pró-Vida". O detalhe: a tal Frente Parlamentar é constituída só por homens, na Assembleia Legislativa do Estado.
De acordo com o coordenador-geral da frente parlamentar, deputado estadual Cláudio Ferreira (PTB), o objetivo principal do grupo "é o estimulo à criação de políticas públicas para amparar mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade". Entre a intenção e gesto, o objetivo escancarado é a defesa das pautas conservadoras a qualquer custo, até com a aprovação de projetos inconstitucionais como o que foi apresentado pelo deputado bolsonarista.
O projeto aprovado na ultima quinta-feira, 1º, é de autoria do deputado Gilberto Cattani (PL) e teve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa. O texto determina que "qualquer tentativa ou consumação de aborto deve ser comunicada ao Conselho Tutelar, à Delegacia de Polícia e ou ao Ministério Público, para providências cabíveis". Para o autor do projeto, a proposta contempla o que "pretendeu o legislador constituinte originário, em que pese carecer de regramento estadual".
Para a defensora pública Rosana Leite, houve invasão de competência por parte do projeto de lei. O Código Penal prevê a possibilidade de aborto em caso de estupro e a interrupção da gravidez em caso de anencefalia do feto passou a ser legal em 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A defensora pública diz que o projeto aprovado em Mato Grosso é uma lei "eivada de inconstitucionalidade". "Viola de forma grave a liberdade e o corpo das mulheres", diz. Será que os deputados que aprovaram por unanimidade acreditam que o Supremo é Cattani?
O advogado Felipe Amorim Reis, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT, afirma que o projeto de Lei "é inconstitucional tanto no âmbito material quanto no formal". "É um retrocesso constitucional", afirmou acrescentando que, mesmo que seja aprovada em segunda votação, "ela (a lei) pode ser declarada inconstitucional e anulada". O Ministério Público de Mato Grosso deverá agir antes de que este projeto torto seja aprovado em segunda votação.
Segundo Rosana Leite, a Defensoria fará uma Nota Técnica, que será enviada para a Assembleia com pontos que mostram os impactos do projeto de lei, a inconstitucionalidade com a invasão de competência; norma contrária ao Código Penal que já reconhece o aborto legal; desrespeito ao corpo e à liberdade das mulheres; desrespeito aos direitos humanos das mulheres. "Mencionaremos também as estatísticas de violência contra as mulheres do Estado", disse.
Cattani e as suas mulheres-vacas
Durante a instalação da Frente Parlamentar de Combate ao Aborto "Pró-Vida", o deputado Gilberto Cattani (PL) comparou a gravidez de mulheres com a gestação de vacas. A OAB-MT protocolou no Ministério Público Estadual uma Notícia de Fato, informando sobre a conduta do parlamentar. E também protocolou um pedido de apuração de quebra de decoro parlamentar na Assembleia Legislativa.
O requerimento para acionar a Comissão de Ética da Casa de Leis contra a fala que agrediu as mulheres e feriu o decoro foi protocolado no último dia 31/05. O acionamento se deve a falas e vídeos do deputado Gilberto Cattani (PL), comparando mulheres a vacas, que circulou nas redes sociais.
Os parlamentares deverão indicar os membros dos blocos parlamentares para participar da Comissão de Ética. São cinco blocos parlamentares na Casa de Leis. O bloco “Assembleia Forte”, o maior do Parlamento, é formado pelos deputados Dilmar Dal Bosco (União), Carlos Avallone (PSDB), Eduardo Botelho (União), Júlio Campos (União), Sebastião Rezende (União), Paulo Araújo (PP) e Beto Dois a Um (PSB). O líder do bloco é o deputado Dilmar Dal Bosco.
O Bloco “Parlamentar Unidos” é formado pelos deputados Eugênio (PSB), Max Russi (PSB), Fabinho Tardin (PSB) e Valmir Moretto (Republicanos).
No Bloco “Experiência e Trabalho” estão os deputados Lúdio Cabral (PT), Valdir Barranco (PT), Wilson Santos (PSD), Nininho (PSD) e Diego Guimarães (Republicanos), totalizando cinco parlamentares.
Janaina Riva (MDB), Dr. João (MDB), Juca do Guaraná Filho e Thiago Silva formam o bloco “Movimento Democrático Brasileiro”. Por fim, a Casa de Leis ainda conta com o bloco “Direita Democrática” composto por Elizeu Nascimento (PL), Faissal (Cidadania), Cláudio Ferreira (PTB) e Gilberto Cattani (PL).
O processo por quebra de decoro pode levar a sanções disciplinares e até a cassação do mandato. A deputada Janaína Riva informou, durante a sessão, que recebeu a presidente da Comissão da Mulher da OAB, Glaucia Amaral, que junto com outras representantes da Comissão e da defensora pública geral, Maria Luziane, protocolou os dois pedidos. A presidente em exercício da ALMT disse ainda que submeteu o requerimento à apreciação dos demais deputados durante o Colégio de Líderes e determinou a instalação da Comissão de Ética e Decoro para apreciação do teor das denúncias.