“SOCORRO! OS RIOS DE MATO GROSSO ESTÃO MORRENDO”

*Juacy da Silva

O descaso, a falta de consciência por parte da população, a omissão e a conivência das autoridades, nossos governantes nos três níveis: União, Estados e municípios estão contribuindo para a degradação e morte de inúmeros rios, córregos, ribeirões, lagos e lagoas pelo Brasil afora.

Em Mato Grosso não tem sido diferente. Nossos rios e bacias hidrográficas, nos três biomas: Amazônia, Cerrado e Pantanal estão se transformando em esgotos e lixeiras, pelo grande volume lixo/resíduos sólidos urbanos e pela precariedade do saneamento básico, praticamente inexistente na quase totalidade de nossos municípios e que usam os cursos d’água como condutores desses dejetos, afetando não apenas a qualidade da água para consumo humano, mas, também, destruindo a biodiversidade que depende dos rios para continuar viva.

O Rio Cuiabá é o maior exemplo, pois já se transformou no maior esgoto a céu aberto do Centro Oeste, `a semelhança do Tietê e Pinheiros em São Paulo, o estado que se orgulha de ser a maior economia do Brasil ou a Baia da Guanabara onde tem muito mais lixo do que peixes.

Além disso, também contribuem para esta degradação as erosões e assoreamento, boa parte oriunda do uso intensivo dos solos nas cabeceiras das diversas bacias hidrográficas, pela exploração agropecuária que também usa e abusa dos agrotóxicos, cujos rejeitos acabam poluindo os diversos cursos d’água, além do ar e dos solos, afetando todas as bacias hidrográficas, juntamente com rejeitos de atividades de garimpo e mineração, onde o mercúrio, apesar de proibido continua sendo utilizado, graças ao contrabando deste poluente de forma ainda acobertada por muita impunidade em nosso Estado.

Não podemos também esquecer das famigeradas PCHs – Pequenas Centrais Hidrelétricas que estão construindo ou pretendem construir mais de cem represas em nossos Rios, inclusive seis que pretendiam construir no Rio Cuiabá, o que decretaria fatalmente a morte deste importante Rio, que dá o nome `a nossa Capital e, em consequência, seria mais um fator para decretar a morte de nosso exuberante PANTANAL.

Na Assembléia Legislativa um pequeno número de deputados ou como se diz “uns quatro gatos pingados” entre os 24 parlamentares que ali tem assento para representar e defender os interesses da população e, também, claro, defender o meio ambiente, a natureza, tem estado `a frente desta luta, por enquanto quase inglória, mesmo diante das queimadas dos últimos anos e em curso atualmente, que já destruíram mais da metade da biodiversidade pantaneira.

Por dever de justiça devemos reconhecer o esforço e a luta, por enquanto quase inglória, por parte de alguns parlamentares, dentro os quais, podemos mencionar os Deputados Wilson Santos, Lúdio Cabral e Edudardo Botelho que não tem poupado tempo e coragem na defesa de nossos Rios, principalmente do Rio Cuiabá e outros, cujas águas, cada vez mais escassas, contribuem para o equilíbrio ecológico do Pantanal e milhares de famílias que vivem e sobrevivem de atividades relacionadas com os rios e o Pantanal.

No contexto da representação política pela primeira vez na história do Parlamento Matogrossense a “bancada” de deputados que receberam boa parte ou a maior parte de suas votações na Baixada Cuiabana é muito “expressiva” pelo menos em número. São treze os deputados que “representam” ou dizem representar a população desta região histórica e politicamente tão importante que é a nossa Baixada Cuiabana.

Somados a esses 13 deputados da Baixada Cuiabana, temos também deputados que representam ou dizem representar os interesses da população de outras regiões com a Grande Cáceres, Rondonópolis, Região do Alto Taquari, Região de Barra do Bugres, região do Araguaia ou do Nortão e médio Norte, Noroeste, só para mencionar algumas desses territórios, alguns que também que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai e do Pantanal, onde diversas bacias e sub-bacias hidrográficas estão sendo degradas em um ritmo  super acelerado sem que nada ou pouca coisa tenha sido feita para impedir esta sanha destruidora de nosso meio ambiente, comprometendo a sobrevivência das atuais e, principalmente, das futuras gerações, que receberão um Planeta e biomas, no nosso caso, um Estado, totalmente degradados, poluídos e destruídos.

Digno de elogio tem sido esta luta do Deputado Wilson Santos que, além de inúmeras audiências públicas em diversos municípios, já, por duas vezes,  articulou, organizou e realizou duas EXPEDIÇÕES FLUVIAIS desde as nascentes do Rio Cuiabá até sua foz, quando, ainda em território matogrossense recebe as águas do Rios Vermelho/São Lourenço, em torno de MIL KM de extensão, também extremamente degradada aquela bacia e em processo de morte dos referidos rios e seus afluentes,  destruição está muito bem documentada e apresentada `as autoridades constituídas e, também, servindo de alerta para a população e a opinião pública, para que ações sejam realizadas para impedir e não apenas mitigar as consequências deste processo de destruição ambiental.

E agora, deparando-me com uma matéria em um veículo de comunicação de Cuiabá, podemos tomar conhecimento de mais um Rio de Mato Grosso que está em processo de morte lenta, mas inexorável. Refiro-me a manchete “Deputado caminha sobre leito seco e alerta para a “extinção” do rio Bento Gomes, em Poconé. “Este é o rio Bento Gomes, mais um rio que corre sério risco de extinção. As mudanças climáticas e as ações do homem são os principais responsáveis pela destruição de um dos rios mais importantes do Pantanal. O curso da água fica paralisado no meio do rio, denunciou Wilson Santos” (fonte Site Hipernotícias, 30/11/2023).

Ouso adicionar a esta denúncia do referido deputado, que fica faltando também, pelo menos alguns outros fatores que estão contribuindo para a morte de nossos rios e a degradação de nossos biomas, como por exemplo, a falta de uma política estadual para proteger nossas bacias hidrográficas e salvar nossos rios; falta também políticas municipais e maior empenho por parte das autoridades municipais para protegerem e livrarem da degradação nossos rios, ribeirões e córregos, como acontece, por exemplo em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Cáceres e outras cidades onde a situação do saneamento ou, melhor, da falta de saneamento básico e falta de um plano diretor que proteja as nascentes desses córregos e rios, tem facilitado a ação devastadora da especulação imobiliária, as invasões e a ocupação desordenada de áreas urbanas ou peri-urbanas que deveriam ser de proteção ambiental, as famosas APPs, tão negligenciadas e desrespeitadas sempre.

Em Cuiabá, por exemplo, praticamente todos os 26 ou 29 córregos existentes foram “aterrados” e com isso todas as nascentes foram destruídas afetando tremendamente o Rio Cuiabá. O maior exemplo desta situação vergonhosa e o, outrora Córrego Oito de Abril, hoje um grande esgoto a céu aberto, que passa em frente o histórico Centro de Abastecimento, a famosa “Feira do Porto” ou oficialmente denominada de Mercado Antônio Moisés Nadaf.

No momento outro importante curso d’água, outrora limpo, que está passando por um processo muito intenso de degradação e morte é o Rio Coxipó, degradação e morte decorrente da ocupação desordenada ao longo de seu curso, onde estão localizadas inúmeras, centenas de chácaras e sítios de recreio e também inúmeros condomínios, sem que nossas autoridades vejam o que este processo de degradação representa para o futuro do Rio Cuiabá, para a Baixada Cuiabana e para o Pantanal.

Esta mesma situação é a realidade de todos os demais rios e bacias hidrográficas de Mato Grosso. Enquanto isso caravanas de empresários, autoridades estaduais percorrem o mundo alegremente “vendendo” as belezas e potencialidades de Mato Grosso, em meio a “muita pompa e circunstância”, banquetes, luxúria, enfim verdadeiras excursões turísticas, esquecendo-se dos reais problemas que temos em nosso Estado.

Com certeza Mato Grosso é um Estado pujante, maravilhoso, com imensas oportunidades e uma enorme potencialidade, mas, como também vem sendo denunciado, por exemplo, pelo recém eleito Presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Ex Vereador em Cuiabá, ex-deputado estadual e até nesta gestão do TCE Presidente da Comissão Ambiental daquela Corte de Contas, Conselheiro Sérgio Ricardo, cuja trajetória também tem sido marcada pela luta ambientalista, em seus pronunciamentos tem alertado que mesmo com esta pujança toda Mato Grosso ainda tem praticamente um terço de sua população vivendo na pobreza e um percentual significativo vivendo na MISÉRIA, passando fome, além do processo intenso de degradação ambiental e a destruição dos nossos três biomas (Pantanal, Cerrado e Amazônia Matogrossense).

Isto representa uma grande contradição enquanto a elite política e empresarial do Estado, principalmente os barões do Agronegócio e seus admiradores nos meios de comunicação “estufam o peito” para dizer que Mato Grosso alimenta bilhões de pessoas no mundo, além de bilhões de animais, porcos, avicultura e um pouco de bovinocultura na China, centenas de milhares de pessoas passam fome no Estado e milhares tem que mendigar na “fila dos ossinhos” em Cuiabá.

Voltando `a degradação do Pantanal e a morte dos rios que garantem o equilíbrio ecológico e econômico deste Bioma, que é Patrimônio Nacional e da Humanidade também, declarado pela ONU/UNESCO, costumo dizer que a vegetação, parcialmente, consegue se regenerar e sobreviver a esses desastres e crimes ambientais, desastres pouco ou “nada naturais”, mas a biodiversidade animal que vem sendo implacavelmente destruída pelo fogo, pela seca e pela morte agonizante de nossos rios, jamais vai ressuscitar, contribuindo para a extinção de inúmeras espécies e colocando diversas outras em risco de extinção.

É neste contexto macro que precisamos colocar esta questão da morte dos Rios e bacias hidrográficas em Mato Grosso. Estamos em pleno período pré-eleitoral visando as eleições municipais de 2024, este seria um momento importante não apenas para estarmos especulando e discutindo sobre nomes para  prefeitos e vereadores, mas sim, muito mais, indagando o que essas pessoas, pretensos representantes da população nas prefeituras e Câmara de Vereadores tem em mente, quais são suas propostas para a definição e implementação de políticas e estratégias municipais de desenvolvimento urbano e rural, de proteção e preservação ambiental, de ecoturismo, por exemplo, enfim, o que as administrações municipais podem e devem fazer , de forma integrada com os governos estaduais e o Governo Federal para que os cuidados com a natureza, com o  meio ambiente ou como diz e exorta sempre o Papa Francisco, com a nossa “CASA COMUM”, ou seja, com o Planeta Terra, mas que está presente na nossa realidade imediata, nossas cidades e nossos municípios exigem de nossos representantes.

Precisamos transcender nossos umbigos, não basta cada prefeitura tentar cuidar de seu “quintal”, seu território, nossos municípios, muitos, com bem lembrado novamente, aqui cito o Conselheiro Sérgio Ricardo, repetindo “em torno de um terço dos municípios do Brasil e também de Mato Grosso são inviáveis, financeira, orçamentária e administrativamente”. Precisamos de ações intermunicipais para equacionar problemas que transcendem os limites de cada município. Exemplo patente disso é a realidade da conurbação (Aglomerado Urbano) Cuiabá/Várzea Grande e a própria Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá e a já destacada Baixada Cuiabana, onde os problemas e desafios ambientais estão bem visíveis a todas as pessoas. Talvez apenas nossos governantes não conseguem vê-los.

No caso dos “Municípios inviáveis”, os mesmos além de terem uma população diminuta (diversos municípios tem menos de dez mil habitantes e alguns menos de dois mil habitantes) e vivem em função de transferências estaduais e federais, além de migalhas que são repassadas para a população pobre como bolsa família, aposentadorias rurais e outros penduricalhos que servem apenas para manter essas pessoas na pobreza, na miséria e continuarem sendo exploradas e manipuladas política e eleitoralmente, a cada dois anos, quando ocorrem eleições gerais ou municipais.

Precisamos de planejamento regional, sub regional e urbano, onde as ações municipais, estaduais e federais sejam integradas, duradouras, com continuidade e isto só é feito com gestores, quadros, equipes treinadas, capacitadas e em condições de implementarem os planos, programas, projetos e ações de médio e longo prazos.

Discursos demagógicos e planejamento apenas no papel, para enfeitar prateleiras de gabinetes não resolvem nada, é fundamental que o que for planejado seja implementado por sucessivas administrações municipais, estaduais e federais. Sem planejamento e sua implementação não há desenvolvimento, nem justiça social, nem justiça intergeracional e muito menos mudanças sociotransformadoras e sustentabilidade.

Sem isso, todas as áreas e setores que deveriam ser bem cuidados , onde serviços públicos de qualidade deveriam ser destinados para atender as necessidades, as aspirações e a dignidade da população como educação pública de qualidade, saúde pública universal e de qualidade, segurança pública e, claro, MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL e SUSTENTÁVEL, como preconiza nossa Constituição e ordenamento jurídico nacional e os tratados e demais esforços da ONU, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (Agenda 20230), deixariam de ser apenas para “inglês ver”.

Só salvaremos os nossos rios, nossas bacias hidrográficas e nossos Biomas (PANTANAL, CERRADO E AMAZÔNIA) no dia em que nossos governantes, em todas as esferas do poder, nossos empresários urbanos, industriais, de serviços, logística, do agro e, também, nossa população despertarem a consciência ambiental ou o que a Encíclica Laudato Si enfatiza, a COVERSÃO ECOLÓGICA, sem isso a sanha destruidora continuará cada  vez maior, cujas consequências já estamos sentindo, como no caso dessa onda de calor e chuvas torrenciais, só para mencionar duas das mesmas.

Neste momento, por exemplo, enquanto a Delegação brasileira, com representantes dos poderes públicos, empresários, cientistas, acadêmicos, ambientalistas estão participando da COP28, que se inicia em 30 de Novembro e se estende até dia 12 de Dezembro próximo, nos Emirados Árabes, nossos Biomas continuam sendo degradados, nossos rios, nosso ar e nossos solos continuam sendo poluídos, as mudanças climáticas continuam provocando ondas de calor e de frio insuportáveis, os desastres “naturais”, provocados pela ganância por mais acumulação de renda, riqueza e poder continua aceleradamente, ficaremos sempre entre uma esperança inócua e uma desilusão imensa.

Os desafios e os problemas são enormes e complexos, mas os mesmos só serão superados quando houver um compromisso verdadeiro e não apenas discursos vazios, demagógicos e reclamações que nada de prático produzem, a não ser uma grande frustração, sofrimento e morte!

Juacy da Silva, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da PEI – Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 55 65 9 9272 0052