O duplo dreno: consignado e ‘Tigrinho’

*Junior Macagnam

Às vésperas do fechamento das contas no comércio de Cuiabá e de todo Mato Grosso, um fenômeno tem tirado o sono de nós, empresários. O "dia do pagamento" dos funcionários públicos e da iniciativa privada, outrora um evento marcante no calendário do varejo, está perdendo sua força. A esperada injeção de capital que aquecia os caixas e movimentava a economia local está sendo estrangulada por duas forças silenciosas e vorazes: o endividamento descontrolado causado pelos empréstimos consignados e o avanço predatório das apostas eletrônicas, os populares “jogos do tigrinho".

Como presidente da CDL Cuiabá e lojista, sinto o impacto desse fenômeno na prática. O dinheiro que deveria circular no comércio, gerando vendas, empregos e desenvolvimento, está sendo desviado antes mesmo de ‘esquentar’ no bolso do consumidor. É um ‘dreno’ duplo que nos preocupa profundamente.

Não podemos negar que o empréstimo consignado, em sua origem, foi uma importante ferramenta de crédito, oferecendo taxas mais acessíveis. No entanto, o que era uma solução se tornou um problema crônico. A facilidade de acesso, muitas vezes sem a devida educação financeira, somada à maior taxa Selic dos últimos 20 anos (a segunda maior do mundo) criou uma geração de trabalhadores já endividados no setor público e com forte tendência de crescimento no ambiente privado. 

No exato momento em que o salário do trabalhador cai na conta, um percentual significativo é sugado automaticamente para o pagamento dessas dívidas. O resultado? O dinheiro evapora. Ele vai direto para as instituições financeiras, sem passar pelo nosso comércio. O trabalhador fica ‘duro’ no próprio dia do pagamento, e não sentimos o tão esperado fôlego. Isso sem falar no desânimo que toma conta do colaborador, que se vê sem o fruto do trabalho, tendo a impressão de que nada recebeu, um fator que aumenta a rotatividade e desmotiva as equipes.

Enquanto o consignado ataca pela frente, um inimigo mais novo e agressivo avança pelos flancos: as plataformas de apostas esportivas. Com uma publicidade massiva e irresponsável, patrocinando até mesmo as camisas dos maiores times do mundo, elas vendem a ilusão perigosa do enriquecimento rápido.

A realidade, porém, é um pesadelo para as finanças familiares e para a economia real. Só no primeiro trimestre, foram R$ 17,4 bilhões, incluindo recursos de programas de transferência de renda sugados por esses sites – acessíveis na ponta dos dedos. O dinheiro que deveria ser usado para a feira, o gás, a roupa das crianças e o lazer da família some no universo virtual, sem gerar um único emprego ou imposto aqui na nossa cidade e no Estado. O que sobra, na maioria esmagadora dos casos, é apenas mais endividamento e uma série de problemas sociais gravíssimos.

A combinação desses dois fatores, o consignado ressecando a renda e as apostas drenando o que sobrou, provoca uma avalanche sobre a economia real. O resultado direto que observamos é a diminuição do poder de compra, o aumento da inadimplência e um arrefecimento geral do comércio. Mas as consequências vão além: são crises familiares, problemas de saúde mental e um endividamento que se torna uma bola de neve, criando um ônus que toda a sociedade acaba pagando.

Precisamos, com urgência, enfrentar essa realidade. Não se trata de proibir o crédito, mas de incentivar seu uso consciente. E, no caso das apostas, é imperativo discutir uma regulamentação rígida que restrinja a publicidade abusiva, cobre-se impostos e proteja o consumidor, especialmente os mais vulneráveis.

A CDL Cuiabá quer participar desse debate e propõe algumas iniciativas, como fomentar a educação financeira. Já estamos usando nossos canais para alertar a sociedade sobre os riscos dessas plataformas. Da mesma forma, apoiamos e cobramos medidas que regulem com rigor a operação e, principalmente, a publicidade desenfreada.

A saúde da nossa economia depende do poder de compra das famílias. Alertá-los sobre esses drenos é essencial para garantir um comércio forte, uma economia pujante e uma sociedade mais equilibrada. O momento de agir é agora. Vamos juntos defender a nossa economia e a qualidade de vida da população.

*Júnior Macagnam, presidente da CDL Cuiabá