É o vírus, estúpido!

Reza a lenda do marketing político mundial que, durante a vitoriosa campanha de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos, em 1992, diante da dificuldade para convencer o candidato e todo seu staff sobre a melhor forma de combater o então presidente e candidato à reeleição George Bush (pai), o consultor político James Carville teria dito: “...é a economia, estúpido”. Carville defendeu, solitariamente, a tese de que a vulnerabilidade do adversário estava na situação depauperada da economia americana, mesmo Bush apresentando boa política externa e tendo vencido a guerra contra o Iraque. Havia descuidado da política econômica doméstica e, como consequência, o “way of life” dos americanos tinha piorado muito, fato imperdoável na cultura do povo daquele país. Trazida para os dias atuais, a frase poderia ser adaptada para o atual presidente americano, Donald Trump: é o vírus, estúpido.

A sua péssima performance na condução das estratégias e medidas para combater a crise sanitária em território americano está entre as piores do mundo. Começou negando com veemência o potencial da doença e se negou a implantar medidas duras de isolamento social, recomendadas pelos seus assessores técnicos e pela ciência médica. Insistia que a economia americana era forte e grande demais para ser subjugada por um simples vírus. Depois, obrigado a implantá-las, afirmou que seria uma batalha rápida, e o vírus desaparecia logo, “... como num milagre”. Brigou com  governadores e prefeitos que tomaram medidas restritivas em seus estados e cidades e paralisaram todas as atividades industriais, comerciais e de serviços para evitar a disseminação e proteger seus cidadãos. Enfim, o presidente americano combateu diversos adversários, alguns até imaginários, e não enfrentou o verdadeiro e letal inimigo: o coronavírus.

A má liderança e a incapacidade de colocar em prática uma coordenação nacional no combate à pandemia teve um preço. A economia americana sofreu, no segundo semestre, uma estrondosa queda de 32,9%, em relação ao mesmo período do ano passado, termos anualizados, como os americanos costumam comparar.

Com baixas perspectivas de retomada do crescimento nos dois trimestres seguintes, o país deve fechar 2020 com a mais profunda recessão de toda a sua história. Maior que as vistas na grande depressão de 1929, da contração pós-guerra de1947-48 e da crise financeira de 2008. Na órbita política, a má condução do país diante da inusitada crise sanitária pode custar a reeleição de Trump nas eleições presidenciais de novembro.

O PIB americano começou a dar sinais de reação em maio como resultado dos fortes estímulos financeiros dados pelo FED, o banco central americano às empresas e o programa de ajuda emergencial implantado pelo Tesouro Americano. Somados, os dois programas injetaram mais de três trilhões de dólares no mercado americano. Mas a economia voltou a retrair em junho. A reabertura das atividades comerciais e o afrouxamento do isolamento social em vários estados fez aumentar novamente a contaminação, exigindo novamente o “lockdown” e a consequente paralisação das fábricas, shoppings centers, comércio, bares, restaurantes.

Se traçarmos um paralelo com o Brasil, o cenário não é muito diferente. A administração federal negou inicialmente a dimensão da crise sanitária  e o tamanho do estrago que a pandemia poderia causar à cambaleante economia do país. Não conseguimos estabelecer uma coordenação nacional para combater a doença e as medidas de isolamento social, implantadas por governadores e prefeitos, conforme suas próprias análises e percepção do problema, não foram tão fortes como recomendam os especialistas e também nunca chegaram a ser cumpridas plenamente pela sociedade. Como resultado, o Brasil é um dos países com ciclo mais longo de curvas crescentes de contaminados e de mortes e não vemos ainda a luz no final do túnel.

No campo econômico, teremos a maior queda do PIB em toda a história brasileira. O tombo vai variar entre -6,5% e -8,0%. Impacto muito forte, nunca registrado antes num único ano. O impacto será mais severo ainda porque o país ainda não havia se recuperado do longo período recessivo que perdurou de 2014 até 2019.

Vivaldo Lopes, economista formado pela UFMT, onde lecionou na Faculdade de Economia. É pós-graduado em  MBA Gestão Financeira Empresarial-FIA/USP  (vivaldo@uol.com.br)

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